Em sua coluna da semana, o professor trata sobre a importância de uma transformação social e reflete sobre a atuação de supostos parlamentares de 'esquerda'
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Ednaldo Sacramento |
Considerando que vivemos em um sistema social extremamente injusto, em todos os sentidos, e que o nosso país é um dos mais desiguais do mundo, espera-se que as representações das organizações que se dizem de esquerda pautem sua atuação no sentido de acabar com essas desigualdades.
No passado recente, era assim que pareciam atuar as lideranças políticas do que se podia chamar de “esquerda”. Nas décadas de 1980 e até de 1990, ainda era possível observar uma atuação, inclusive de parlamentares, que estimulava a militância política a se engajar em lutas e mobilizações. Enfim, que apontavam a necessidade de organização e luta por uma sociedade diferente da que aí está.
Isso se tornou algo raro. E o pior é que essa mudança vai na contramão das nossas necessidades. O enfrentamento se faz cada vez mais necessário, pois a tendência atual é de dias cada vez mais difíceis. Sendo assim, a “grande” política que se poderia esperar de um parlamentar, especialmente de um deputado federal que se apresenta como de “esquerda”, seria estar a serviço desse projeto de transformação.
É verdade que, além da militância pela transformação, é preciso olhar para o imediato. Quem tem fome, sede e precisa de atendimento médico deve ser atendido urgentemente, mas isso é pouco. Isso, em certo sentido, também pode ser feito por deputados e demais representantes da direita, que defendem os interesses do empresariado. Você acha que devemos nos contentar com a “pequena” política, que reduz momentaneamente a fome, mas mantém tudo do mesmo jeito, garantindo que alguns continuem “mamando” nas tetas do sistema?
É incontestável que as chamadas “políticas públicas”, que muitos gostam de mencionar com palavras bonitas, anúncios e promessas de emendas parlamentares, e que, sem constrangimento, são apresentadas como grandes realizações, se enquadram na “pequena política”. E é sobre isso que queremos refletir hoje.
Pois bem, o deputado federal Joseildo Ramos, do Partido dos Trabalhadores (PT-BA), por quase um ano, veiculou semanalmente um programa de rádio de cinco minutos, no qual ele estaria “prestando contas do mandato”. No “Bom Dia, Deputado”, ouviu-se de quase tudo, menos da grande política. Em raros momentos, ele fez referência a algum projeto que tramitava na Câmara Federal, como a reforma tributária. Sobre esse tema, dedicou menos de dois minutos e errou feio ao afirmar que, com essa reforma, “o sistema tributário brasileiro deixaria de ser regressivo”, ou seja, que os impostos deixariam de recair sobre o consumo, o que afeta diretamente os mais pobres.
Pior ainda, alimentou expectativas positivas em relação ao então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Em outro momento, tentando fazer propaganda do governo Lula, fez elogios ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela condução da economia. Ora, qualquer pensador minimamente informado sobre Economia, que seja sério e bem fundamentado, desde que não seja abertamente defensor do empresariado, faz críticas à política econômica do governo Lula. Mas, na ausência de produção legislativa ou outras iniciativas políticas relevantes, esse parece ser o papel que resta ao deputado.
Muito mais do que um espaço de comunicação para “prestar contas do mandato”, o programa de rádio serviu para anunciar supostas realizações dos governos estadual e federal. Como mencionei acima, ouviu-se de quase tudo. Senão, vejamos: o deputado comemorou a “notícia maravilhosa” para a população de Jandaíra — a licitação da Embasa para a construção de uma adutora, algo que a população local reivindicava há mais de quatro anos. Trata-se de uma realização da Embasa (empresa pública do Estado), assim como a perfuração de um poço em Ouriçangas. Na mesma linha de atuação, houve o anúncio da entrega de um trator pelo governo do Estado, além da entrega de ambulâncias e da conquista de emendas parlamentares. Aqui, faz-se necessário algumas reflexões.
Primeiramente, é importante afirmar que todas as entregas realizadas são muito relevantes. No entanto, senhor deputado, o vereador Djalma Santos também destacou a atuação do seu padrinho, Márcio Marinho (Republicanos), que sempre vota contra os trabalhadores, por ter viabilizado a perfuração de um poço na região do Riacho da Guia. Então, não seria necessário muito mais? Outra indagação: estariam faltando deputados estaduais ou interlocutores capazes de convencer o governador a atender às necessidades da população?
Ora, apresentar certas obras como realizações de um deputado federal é alimentar o senso comum sobre o papel do vereador e demais parlamentares. Aliás, essa "prestação de contas" revela uma atuação que se esperaria, no máximo, de um deputado estadual — quase um vereador de luxo.
A mediocridade repercute nos espaços onde a atuação exige intervenção firme. Vale destacar a iniciativa anunciada de elaboração de um projeto voltado para a agricultura familiar, que, se implementado, sairia fortalecido, pois deixaria de estar sujeito a políticas de governo e passaria ao âmbito da política de Estado, com maior possibilidade de continuidade. Mas onde está o projeto? Fale, deputado!
Pois é, o único projeto do deputado que tivemos notícia sequer foi apresentado para tramitação na Casa Legislativa. Virou apenas uma indicação ao governo e, ao que parece, ganhou espaço em alguma gaveta!
No vácuo de produção legislativa e outras iniciativas políticas importantes, restam apenas o anúncio de entregas realizadas pelo governo do Estado e das emendas parlamentares conquistadas. No entanto, é preciso se perguntar: a que custo se conseguem certas emendas?
No sábado, 1º de fevereiro, foi eleita a Mesa Diretora da Câmara e do Senado. O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) foi eleito presidente da Câmara com 444 votos, em um acordão de 17 partidos, articulado por Arthur Lira, incluindo o PT. Havia dois outros candidatos, inclusive Henrique Vieira, do PSOL.
É imprescindível destacar a importância da presidência das Casas Legislativas. O presidente define a pauta de votações e, com essa eleição, consolidou-se o poder do Centrão na atual legislatura. Além da prerrogativa de pautar debates e deliberações, estará nas mãos dele o poder de encaminhar as emendas parlamentares.
Assim, para os deputados que, além de defenderem o empresariado, sustentam seus mandatos através da conquista de emendas, não restam dúvidas sobre seus reais interesses ao participar desse bloco. Por outro lado, qual explicação pode ser dada pelos deputados da chamada "esquerda", que compactuaram com esse acordão?
Pelo jeito, a mediocridade fincou raízes e, cada vez mais, conduz ao rebaixamento dos debates e à geração de desesperança, apesar da eloquência e das palavras difíceis!
Ednaldo Sacramento é operário, professor aposentado e dirigente político.
Nesse artigo, eu assino embaixo. Foi direto, contundente, sem medir as palavras. Deixou de lado o tom acadêmico. Conservou-se fiel à lógica gramatical, mas sem prejuízo da contundência. Mas advirto, quando mais distante da lógica gramatical, mais peso ganha o texto. O problema não são as regras gramaticais, mas a lógica do refinamento gramatical. Regras foram feitas para serem quebradas. No entanto, o mínimo de respeito à língua mátria deve ser demonstrado, embora isto ainda está em segundo plano frente à expressividade do texto.
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