Em sua coluna da semana, o professor reflete sobre os mecanismos ocultos que influenciam nossa cultura e quem está por trás deles
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Ednaldo Sacramento |
Onde estão os agentes da dominação cultural ou, quem são eles, exprimem aqui o mesmo sentido, e vários deles não estão longe de nós. É possível até que alguns leiam este texto, apesar de que existem aqueles que não são dados ao hábito da leitura.
Chamo atenção para o fato de que, normalmente, quando são feitas referências à dominação cultural, os olhares estão sendo direcionados para a tentativa de impor a outro povo uma determinada forma de pensar, de ler a realidade e, portanto, de impor um comportamento. Aqui, a dimensão cultural da dominação é trazida para esta reflexão vinculada à dominação de classe, como um dos seus componentes. Isso não nega a influência dos de “fora”, especialmente em um mundo globalizado que tende a um “pensamento único”.
Esta constatação revela uma extrema contradição, já que, muito mais do que no passado, hoje a sociedade é capaz de produzir tudo para toda a humanidade, enquanto crescem as desigualdades e a fome. No entanto, ficam cada vez mais raras as vozes que se rebelam contra a ordem estabelecida. Ao contrário, figuras que se apresentam como defensores da classe trabalhadora e da população mais pobre reproduzem práticas e ideias que interessam aos “de cima”.
Em um mundo com profundas desigualdades, que leva a conflitos, ora abertos, ora dissimulados, nas suas mais variadas formas, garantir a dominação pode resultar da consolidação da noção de que não haveria alternativas. A imposição de uma determinada forma de pensar, seja sobre o comportamento ou em relação à forma de organização social ou de produção, só finca raízes caso se consiga convencer os demais da sua naturalidade. Isso pode ser traduzido como hegemonia, que se expressa quando os dominados assumem a forma dos dominadores.
Vivemos em uma sociedade estruturada em classes, onde o poder político está vinculado ao poderio econômico. Seria de se supor que a tarefa de buscar garantir a continuidade dos privilégios fosse cumprida pelos grandes possuidores, aí entendendo-se os banqueiros, megaempresários dos mais variados ramos, inclusive do segmento das novas tecnologias e das comunicações, além, é claro, do setor agrário-exportador, que, em grande medida, está associado aos demais.
No entanto, é possível perceber que outros agentes cumprem, em diferentes níveis, o papel de garantir a dominação, e poderíamos situá-los em três grupos.
Uns agem abertamente, de forma assumida e, apesar de não se situarem entre os grandes possuidores, cumprem a tarefa de defender os interesses dos membros da classe dominante. O papel que esses senhores e senhoras desempenham é perceptível e se torna evidente, pelo menos, para pessoas que se entendem como informadas, esclarecidas e conscientes. Assim, dizemos que o inimigo é conhecido e, portanto, mais fácil de ser combatido.
O problema são os outros dois grupos de agentes. Eles se apresentam como aliados dos “de baixo”, mas o resultado de suas ações favorece os detentores do poder. Dito de outra forma, contribuem decisivamente para a manutenção do atual estágio de exploração e dominação e, portanto, de desigualdades.
Mas há diferenças entre eles. Uns são conscientes do que representam e agem por interesses mesquinhos: são os picaretas. Já os que se situam no outro grupo vivem envoltos em contradições. Por vezes, percebem a origem dos problemas, mas não conseguem se desvencilhar. Esses são os oportunistas.
Primeiro, o picareta – quem é ele, onde está?
Já mencionei anteriormente e vou reafirmar: alguns dos agentes da dominação cultural podem estar próximos, convivendo conosco em vários espaços. É preciso conhecer algumas das práticas do picareta para poder identificá-lo. Ele é um ator e representa muito bem.
A primeira característica do tipo de picareta que estamos tratando aqui é a utilização de uma forma específica para construir o seu discurso. Ele começa afirmando várias verdades incontestáveis, análises da realidade que são comuns à grande maioria das pessoas, e isso lhe dá credibilidade. Na sequência, introduz, de forma dissimulada, o que pretende levar as pessoas a acreditarem.
O picareta não apresenta de forma global o seu projeto; aliás, ele não tem projeto. Este vai sendo improvisado e maquiado de acordo com as circunstâncias. Na verdade, de projeto mesmo, só existe o seu, pessoal.
Eles, os picaretas, são bem relacionados. Sempre se aproximam de quem tem poder para tomar decisões, sabem abrir espaços e, não poucas vezes, se colocam na posição de intermediar conflitos. O problema é o lado em que se colocam para a solução desses conflitos.
Eles falam muito bem, evitam ser agressivos na fala, conseguem angariar vários apoiadores e, muitas vezes, tentam vincular suas figuras a pessoas com posições políticas divergentes para passar a ideia de que pensam igual a elas, apresentando “apenas pequenas diferenças”, que, na verdade, são ideias antagônicas.
Preste muita atenção ao discurso de todos e todas, estejam os oradores pessoalmente próximos de você ou não, porque eles podem nos trair. Como já disse, ele é um dissimulado e pode estar bem perto!
E o oportunista – quem é ele, onde está?
Alguns dos oportunistas podem até, posteriormente, se revelar picaretas. Mas, como já sugeri, eles não agem necessariamente por interesses mesquinhos e gostariam, sinceramente, de contribuir para a melhoria das condições de vida dos mais pobres.
Eles podem não ocupar lugares de mando, com poder decisório, mas estão em espaços que lhes permitem influenciar nas formas de pensar, agir e se organizar em segmentos dos trabalhadores.
Aliás, aqui reside uma grande diferença entre o perfil dos oportunistas que estamos apresentando e o dos picaretas. Estes têm pavor de contribuir para a organização dos trabalhadores, porque isso pode colocar em risco seus postos. Eles não querem “sombras” e querem manter seus privilégios.
Outros não. Até veem necessidade e buscam a organização das pessoas, mas o que os faz oportunistas é o fato de não completarem o caminho. Para se manterem nos espaços que lhes são permitidos, optam por obedecer às regras do jogo. Contestar o sistema exigiria mais sacrifícios, pois teriam que “remar contra a maré”.
Assim como a maioria dos picaretas, muitos dos oportunistas são vaidosos e acreditam que conhecem suficientemente determinados assuntos. No entanto, eu poderia dizer que parcela dos que apresentam um perfil oportunista “têm jeito”.
Eles contribuem com a manutenção da dominação mais por ingenuidade, ao reproduzir conceitos que interessam à classe dominante e, também, como destaquei, por não se disporem a “remar contra a maré”.
Assim, revelam-se duas situações que precisariam ser superadas. Uma delas seria se desvencilhar das relações que mantêm com determinados picaretas e a outra, a necessária humildade para perceberem que têm obtido resultados mais aparentes do que substanciais.
Ser aplaudido ao falar o que interessa aos nossos adversários só faz perpetuar o poder de quem domina.
Se é verdade que alguns dos oportunistas podem “ter jeito”, é incontornável que eles precisam ser confrontados desde já. Se constrangidos, podem assumir um lugar como agentes de transformação ou, se deixados “soltos”, evoluírem e se revelarem picaretas.
Esses precisam ser desmascarados. Já os que apresentam um perfil oportunista têm pendente a tarefa de superar as suas contradições e se desvencilharem tanto dos picaretas quanto da prática de tomar para si expressões que interessam aos detentores do capital!
Ednaldo Sacramento é operário, professor aposentado e dirigente político.