Uma sucessão de contrastes - Por Ednaldo Sacramento

Em sua coluna da semana, o professor reflete sobre as incongruências e paradoxos que permeiam no meio político alagoinhense

Foto: Reprodução / Prefeitura Municipal de Alagoinhas

Era quinta-feira, 17 de abril e, diante de uma ocorrência que poderia ter sido trágica, uma criança pergunta: “Pai, aqui vai ter um hospital?” A criança de 8 anos consegue perceber a necessidade de uma unidade de saúde que forneça um atendimento médico imediato, afinal, o caso de intoxicação devido à alergia alimentar poderia ter provocado a morte de outro menor. O fato aconteceu em uma das localidades pertencentes ao município de Entre Rios (BA), mas, também é questionável se a unidade de saúde existente na sede daquele município merece a denominação de hospital.

O menor de oito anos que percebe a necessidade da unidade de saúde é uma criança autista de grau leve, hoje verbal e, considerado um ser funcional. Que sorte a dele e de seus pais que, apesar de precisarem realizar enormes esforços, em todos os sentidos, e estarem sujeitos a situações que lhes restringem até o convívio social, lhes foram permitido acesso a profissionais médicos e procedimentos que viabilizaram a reversão de um quadro dentro do espectro autista que poderia ter avançado para um estágio mais severo!

É comum que Brasil afora apenas uma parcela minúscula da população consiga diagnóstico precoce para seus filhos, acesso aos procedimentos médicos recomendados e escola de boa qualidade, inclusive, com profissionais auxiliares de classe, tão necessários. Situação que se contrapõe à realidade dramática de mães e pais que choram e se desesperam, já que o poder público não lhes assegura a atenção devida. Pergunta-se, então: o que é disponibilizado à maioria dos filhos da população trabalhadora?

A indicação de resposta a esta pergunta apresentada acima apareceu na Audiência Pública realizada no dia 04 de abril, na Câmara Municipal de Alagoinhas (BA), em alusão ao Dia Nacional do Autismo, provocada pela Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Alagoinhas (AMA). Aos relatos desesperadores, se somaram outro símbolo do descaso: as ausências, não só as atuais.

Pronunciamentos sobre “os feitos de diferentes secretarias municipais” contrastam com a realidade vivida pelas mães, pais e crianças atípicas que ficou evidenciada em diversos depoimentos, inclusive, em outros momentos, na imprensa local. Bom que na Audiência Pública estiveram presentes vereadores e representantes de algumas secretarias municipais. Mas é preciso registrar as ausências da secretária municipal de Educação (SEDUC), do secretário municipal de Saúde (SESAU), da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SEDES) e, principalmente, do chefe do Executivo Municipal.

Tenho afirmado que é impossível atender à totalidade das necessidades da população sob a vigência da atual forma de organização social, que é regida pela lógica do capital. As necessidades e carências são tantas, que termina levando grande parte dos mais necessitados a se contentarem e agradecer pelas mínimas coisas que lhes são disponibilizadas. O círculo vicioso se completa quando a desigualdade e a miséria são vistas com naturalidade. À condição estrutural se soma a promiscuidade na gestão da coisa pública, que resulta no descaso com a condição de vida da população mais pobre. Os responsáveis são muitos; o problema é estrutural, mas é sustentado por pessoas reais, de carne e osso, pertinho de nós, inclusive, pelos que fecham os olhos diante do descaso. O atual prefeito é um ex-secretário de educação e, se este também pode ser responsabilizado pela criança que não frequenta a escola por diversos motivos, inclusive, pela falta de pessoal especializado, o que não dizer do ex-prefeito? Afinal, era ele o chefe do Executivo; esteve à frente da gestão municipal por oito anos e, portanto, grande parte dos problemas atuais vêm de antes. É necessário ainda se questionar sobre a sua trajetória, especialmente como prefeito em dois municípios diferentes. No entanto, espantados, temos a notícia de que ele será homenageado “pelos relevantes serviços prestados”.

Nesta quarta-feira (24 de abril), em sessão especial, a Assembleia Legislativa da Bahia vai conceder ao ex-prefeito de Alagoinhas, Joaquim Neto, a Comenda 2 de Julho, “a mais alta honraria concedida pelo parlamento baiano”, para homenageá-lo como uma personalidade com relevantes serviços prestados à saúde na Bahia. Nos causa espanto tal condecoração a uma pessoa cuja gestão, durante o seu primeiro mandato de Alagoinhas, alimentava dúvidas sobre a disposição de tentar a reeleição, tal era a sua desaprovação popular, fato que se repetiu ao final do recente mandato. É verdade que os seus “herdeiros” e demais aliados buscam encontrar elogios a seu favor.

O contraste e despropósito da honraria não se revela apenas pela sua trajetória como prefeito de Alagoinhas, mas também como prefeito do município de Sátiro Dias. Os três mandatos nesse município (1997-2004 e 2009-2012) foram repletos de denúncias de irregularidades nas contas públicas. No primeiro período, dois mandatos, as contas apresentaram de forma reincidente dezenas de falhas e irregularidade, mas não chegaram a ser reprovadas. Já no segundo período, as contas de 2009, 2010 e 2012 foram aprovadas com ressalvas, sendo as contas do ano de 2011 reprovadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios. Sua condição de concorrer a pleitos eleitorais posteriores só foi conseguida pela benevolência da Câmara Municipal de Sátiro Dias que aprovou as Contas, em sentido contrário à decisão do Tribunal.

É esta uma pequena mostra da trajetória da personalidade que será homenageada, ampliando a sucessão de contrastes. Contraste social, entre os muito ricos e os muito pobres; contrastes onde, de um lado, ocupantes de cargos de confiança desfilam listas de feitos na Educação, na Saúde e na Assistência Social enquanto a realidade nua e crua desmente tais realizações e, por fim, o contraste de se homenagear figuras que são responsáveis por tal situação.

O que nos resta por hora é questionar: o que mais falta, além de um pouco de vergonha, a quem propôs e aos que aprovaram a honraria a essa história?

Sem esquecer que, quem cala, consente!


Ednaldo Sacramento é operário, professor aposentado e dirigente político.

1 Comentários

  1. Parabéns, Ednaldo, o texto está potente, vigoroso e carregado de genuína emoção e indignação. Onde está a oposição do município? Parte da imprensa é que faz este papel. "O presente é tão grande, não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas", diz o poeta Drummond.

    ResponderExcluir
Postagem Anterior Próxima Postagem

RECENTES