REPREENSÃO A UM SERVIDOR PÚBLICO, EM PÚBLICO, É CERTO OU ERRADO? - Por Geraldo Almeida

Entre o gesto firme e a polêmica: a repercussão do vídeo do prefeito Gustavo Carmo e o reflexo de uma população cansada dos velhos problemas na prestação dos serviços públicos

Imagem: WEB

Causou um certo rebuliço na cidade de Alagoinhas um vídeo amador mostrando o prefeito Gustavo Carmo, bastante alterado, repreendendo uma servidora, numa unidade de saúde, por conta de um suposto tratamento descortês a um cidadão que fora marcar um atendimento médico.

O interessante do episódio foi o posicionamento de grande parte da população, mostrando-se favorável à atitude do prefeito, contrariando o costume da opinião pública ser sempre a favor do lado considerado mais fraco.

Certamente isso reflete um estado de insatisfação latente no seio da população, que tem queixas eternas contra o deficiente serviço prestado nos postos de saúde, na maternidade e em outras unidades da SESAU, ora por falta de médicos no plantão, ora por descaso por parte de alguns servidores na recepção e encaminhamento das demandas de pacientes, ora pela longa demora para se conceder um exame médico e de laboratório.

Alguns frequentadores de programas noticiosos de rádio, considerados oposicionistas, têm se valido do episódio para tentarem desgastar a imagem do prefeito, ao ponto de um deles ter radicalizado e dito que o ato foi uma “patifaria”.

É evidente que Gustavo teve ganhos e perdas em sua atitude, que, no vídeo, parece espontânea e não uma coisa “armada”, como chegou a insinuar um internauta. O ganho foi em relação à aprovação de sua atitude pela firmeza como agiu e pela presença no PS, dando a esperança de que os problemas da SESAU poderão ser encarados de frente e não jogados embaixo do tapete, como sempre aconteceu nas gestões pretéritas. A perda é pelo lado da antipatia que o seu ato poderá causar no seio dos servidores, que tendem a pensar com espírito de corpo, posicionando-se mentalmente ao lado da colega repreendida.

As considerações que fiz acima traduzem aquilo que é abertamente exposto nas mídias locais, com queixas recorrentes de usuários do sistema de saúde municipal.

O que devemos evitar é a estigmatização da classe, pois, num universo de milhares de funcionários, efetivos e temporários, o que se vê é o tratar bem e a diligência no atendimento ao público, em qualquer secretaria. No evangelho de São Mateus existe a parábola da separação do joio do trigo, pois numa colheita tem o trigo cheio de grãos sadios e o trigo com grãos murchos (joio). A minoria de maus funcionários não pode contaminar a classe e, por isso, é uma boa medida identificá-los.

Pessoalmente, guardo bom conceito dos servidores da prefeitura de Alagoinhas, com a experiência que tive durante o meu mandato como vice-prefeito e depois como secretário da Agricultura. Também tenho sido bem tratado quando procuro uma UBS para tomar vacina e o mesmo posso dizer da equipe de atendimento do IPTU, na SEFAZ. Mas nem tudo foram flores, porque já passei perrengue, principalmente com ocupantes de cargos de confiança.

Alguns podem dizer que o corretivo dado pelo prefeito foi exagerado e que ele poderia ter abordado a servidora num local privado, mas, se assim o fizesse, perderia a oportunidade de deixar uma mensagem clara de que não passará batido diante de mazelas que cheguem ao seu conhecimento. Certamente ele não quer ser protagonista dos mesmos memes com os quais a população satirizava o ex-prefeito, que diante dos problemas fazia “cara de paisagem” e de “tô nem aí”.

Está viva na minha memória uma fala do prefeito de Feira de Santana, José Ronaldo, dirigindo-se a Paulo Cézar, por ocasião de sua posse no segundo mandato: “não transija com servidores negligentes ou de mau comportamento, para ser bonzinho, porque isso comprometerá a gestão”. Parece que a receita de Ronaldo dá certo, porque ele já está no quarto mandato de prefeito.

Espera-se que o episódio seja um fato isolado e não surjam necessidades de sua repetição nessa e em futuras gestões. Mas ficam as indagações:

1. As visitas de surpresa do prefeito às diversas unidades das secretarias, para auscultar os usuários dos serviços, serão uma constante ou o que ocorreu foi um fato fortuito?

2. Haverá, por parte da gestão, investimentos na qualificação dos servidores no sentido do relacionamento humano?

3. Terá o prefeito consciência de que sua equipe gestora também deverá ser alvo de frequentes avaliações de desempenho, além de comportamento diante de seus subalternos?

Considero que cento e poucos dias de gestão é tempo insuficiente para se firmar um conceito sobre a dinâmica e a qualidade que permearão o governo atual. Conheço a trajetória política de Gustavo e, embora tenhamos trabalhado como secretários na primeira gestão de Joaquim Neto, fomos apenas medianamente próximos. Também não o apoiei na campanha, por conta de sua forte coligação com o PT, partido que sou declaradamente opositor, e por acreditar no sonho do partido NOVO de que o eleitorado de Alagoinhas abraçaria uma candidatura representativa da verdadeira direita não cooptável. Por isso, sinto-me à vontade para fazer críticas construtivas ou elogiar ações positivas relevantes.

Até o momento, a impressão que temos é de que este governo é apenas a continuidade do anterior, sem fatos notórios que denotem uma nova marca de gestão.

Será que o erro grotesco na instalação de postes de iluminação no meio da passarela de pedestres da avenida Murilo Cavalcante teve o aval do prefeito, ou o secretário da pasta agiu por conta própria? O prefeito sabe que a população reclama da presença de mato em todas as ruas, ao longo de passeios e de calçamentos, por negligência da pasta responsável? Quem tem o poder mas não tem informações é passível de surpresas desagradáveis.

Agir com humildade, não ser reativo às críticas, reconhecer os erros e efetivamente atuar para corrigi-los é uma fórmula que só elevará o conceito do alcaide municipal.

Todo começo de primeira gestão é difícil, porque a equipe gestora, de todos os escalões, é heterogênea e, em vários casos, os coordenadores, diretores e secretários nunca se viram. Há de se ter um tempo para a máquina administrativa sincronizar bem as suas peças, sendo o prefeito o engenheiro que deve supervisionar constantemente o mecanismo, ajustando o que estiver fora de lugar ou substituindo peças inadequadas.

Os sinais que Gustavo emitir sobre como irá se comportar ao longo do mandato é algo mais importante do que o que deixou de fazer até o momento.

Por enquanto, o prefeito tem o meu crédito de confiança, porque conhece bem os problemas do município e seria muita burrice repetir erros do passado. Só o tempo dirá o que nos espera.

O autor é engenheiro agrônomo e ex-vice-prefeito de Alagoinhas.

1 Comentários

  1. Geraldo Almeida sempre ponderado e lúcido. Creio que Gustavo fará uma grande gestão mesmo carregando duas âncoras ou duas cruzes. A meu ver, já faz a diferença, dedicando 100 dias à captação de recursos, são três creches, três UBSes, um Cras para adctos de drogras, uma grande obra de drenagem e a universalização praticamente do esgotamento sanitário. Começou bem, resta-nos ficar de olho com o que fará com recursos próprios. Aí é onde mora o problema de Alagoinhas.

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