O produtor cultural Nando Zâmbia estreia sua coluna de Cultura no Portal Pereira News
Nos idos de 1999, mais precisamente no dia 14 de julho, eu pisava no palco do Centro de Cultura como ator, ou pelo menos como um jovem que há um ano sentia a paixão pelo teatro atravessar seu peito e desaguar na vontade de fazer parte das artes. Tudo isso ocorreu após assistir à apresentação do espetáculo “O Seco da Seca” do Colégio Polivalente de Alagoinhas, no “Festival Teatro em Destaque”. Hoje, 25 anos depois de fazer a transição e pertencer à classe artística profissional da cidade, do território, do estado… me pego buscando algum sentido para crer no crescimento pessoal através das artes.
Desde 1999, não fiz nada que não fosse sob, sobre, para ou no palco. Minha vida escolheu as artes, ou as artes escolheram minha vida, como núcleo atômico de realização pessoal? Não sei a ordem, mas tudo mudou depois daquele encontro. O que sei é que, desde então, fui abandonando tudo que não tivesse arte como foco, a exemplo do concurso de Guarda Municipal na prefeitura de Alagoinhas em 2008. Abdiquei do cargo assim que o período probatório foi cumprido e já podia constar como efetivo no quadro de funcionários. Seguir como guarda me impediria de ser aluno da Universidade Federal da Bahia no curso de Bacharelado em Artes Cênicas com habilitação em Interpretação Cênica, e isso nunca foi opção! Abri mão e me despedi com o orgulho de ter feito parte, mas queria e precisava desatar as asas para novos voos, e eles vieram.
Hoje, formado pela Universidade Federal da Bahia e pela Universidade de Évora em Portugal, passei por mais de 100 cidades no Brasil, Europa e América Latina com espetáculos, performances e shows. Estive na gestão pública como Coordenador do Centro de Cultura de Alagoinhas e na Coordenação de Dinamização e Comunicação da Diretoria dos Espaços Culturais da Bahia (DEC/Secult/BA), além de coordenar o Projeto Escolas Culturais na rede pública estadual de ensino. Nessa caminhada, vislumbro um universo que tem seus avanços, mas que precisa se firmar, e é sobre isso que precisamos conversar. Quais rumos a arte e cultura estão tomando em Alagoinhas?
Alagoinhas é cidade polo do Território de Identidade do Litoral Norte e Agreste Baiano, uma das mais importantes economias do estado da Bahia, ocupando a 15ª posição no ranking de PIB – Produto Interno Bruto – representando 1,29% do PIB do estado. Seu orçamento para o ano de 2025 será de mais de meio bilhão de reais. Já foi cidade da laranja, hoje é polo cervejeiro, e tem em seu solo uma das melhores águas do mundo, isca perfeita para indústrias que utilizam a água como matéria-prima. Mesmo com toda essa riqueza e posição geográfica privilegiada, a cidade carece de entendimento sobre sua grandiosidade cultural e artística. Precisamos colocar foco no que essa cidade tem de ímpar em sua constituição cultural e tomar partido disso. Pois bem, vamos lá…
Na história recente da nossa cidade, fazendo um recorte dos últimos trinta anos, tempo que me compete enquanto observador e atuante, tivemos a aparição de grupos, coletivos, indivíduos e iniciativas potentes na área da cultura. Podemos citar, no teatro, o surgimento do NATA – Núcleo Afro-brasileiro de Teatro, o BAC – Bando de Artistas Cênicos, o GCQA – Grupo Cultural Quilombo Andante; na música: Dendê Jazz, Aborígenes, Deveríneos & Moleculares, Apollo, Nanda Lins e os Astronautas, Sangue Real… Esse apanhado no teatro e na música serve para falar de alguns, mas é óbvio que não conseguiria, nem é a intenção, falar de todos. Temos também o surgimento de Festivais de Teatro e de Artes Integradas, como o “Arte e Teatro Para Todos”, do BAC, o “Curto Circuito de Arte Negra”, do Quilombo Andante, a “Semana de Arte do Litoral Norte e Agreste Baiano”, coordenada pela saudosa Jô Correa e por Tárcio Mota, e o “FESTA – Festival de Artes de Alagoinhas”, produzido por esse que vos escreve. Além disso, destaco projetos interdisciplinares como o “Petrolatividade” de MC Osmar e encontros literários, como os saraus “Sarau dos Ventos” e “Boi Encantado”, coordenados pelo escritor alagoinhense João Lopes Filho.
Essas iniciativas buscaram e buscam um entrelaçamento potente e reflexivo com e a partir da cidade, das artes, da cultura. Essas e outras ações colocaram Alagoinhas na rota da visibilidade artística da Bahia, Brasil e mundo. Exemplo disso é a apresentação do espetáculo “Nos Tempos de Gungunhana”, do ator moçambicano Klement Tsamba, em 2017, na segunda edição do FESTA.
Nesse texto, um tanto autobiográfico, você pode estar se perguntando quais caminhos irei propor, mas calma, não se trata de pensar e dar respostas, até porque intuo, mas não as tenho precisamente. Mesmo visitando e convivendo com cenas profissionais de tantos lugares, nossa cidade tem suas particularidades, e é na fricção coletiva que perceberemos um caminho potente para nosso “Pórtico de Ouro” artístico e cultural. O que está na mesa é a projeção de desejos e perspectivas de uma cidade riquíssima na sua arte e cultura, que precisa se ver como realmente é. O pleito é acrescentar questionamentos que possam construir um futuro maior e melhor para os artistas e para a cidade, afinal, uma cidade sem identidade artística será sempre um depositório de compulsoriedades da moda vigente e nunca será protagonista em sua história.
Esse encontro/texto é um pontapé inicial, uma conversa entre nós. Não tenho a pretensão de criar uma historiografia ou produzir um panorama completo da arte e cultura na cidade. Esse dedo de prosa entre nós se desdobrará em tantos outros textos e conversas. O que se quer é apresentar a grandiosidade da cidade no que tange à arte e à cultura e auscultar o que esperamos de Alagoinhas nos próximos anos.
Diante do exposto, me pergunto: quais rumos tomar e quais os próximos passos? O que se quer dessa cidade que surpreende por sua potência na arte e na cultura? Estamos passando por um período de raro investimento através de Políticas Públicas direcionadas à arte e à cultura, com o advento da Aldir Blanc, financiamento assegurado por cinco anos de repasse para estado e municípios a partir da União. Mas e o orçamento da cidade para a cultura? Qual a personalidade da gestão municipal para a condução desse orçamento? O que esperar da nossa cultura daqui a meia década? Agora, com orçamento federal, quais crescimentos estamos projetando?
Perguntas, perguntas e mais perguntas surgirão, porém nos contentemos e concentremos nessas que, por si só, já promovem reflexões e angústias suficientes para essa nossa primeira troca. Vamos que vamos!
Por: Nando Zâmbia - Artista, produtor cultural e colunista no Portal Pereira News