A professora Jacilena Almeida foi precisa em sua entrevista ao Intera de Rayner, há cerca de um mês. Ela alertou para a desarticulação da sociedade civil organizada, que fomentou um ambiente de debate político, social e cultural permanente nos anos 80, indispensável para a ascensão do PT ao poder. Hoje, a esquerda virou o establishment, o movimento popular entrou para o Estado, transformando-se na nova classe média estamental. A classe média não busca a verdade, mas a manipula em prol de sua autossobrevivência. Daí que a verdade foi substituída pelas narrativas e pelo relativismo moral. “A Venezuela não é uma ditadura, é um regime de viés autoritário desagradável”, diz Lula, que já havia afirmado que a democracia é um conceito relativo. Em 20 anos, a esquerda que era antiestablishment e defendia a ética passou a ser o próprio establishment e se corrompeu com vontade.
A exclusão das pautas identitárias e da cultura do debate político nestas eleições em Alagoinhas demonstra e comprova essa desmobilização. Com o capitalismo de Estado, essa tendência de autopreservação do estamento se consolidou na hegemonia da burocracia estatal. Além das narrativas, instauraram-se atos autoritários contra aqueles que denunciavam tal dinâmica. Pois, em certa medida, existe algum nível de verdade, aquela que costumamos encontrar no senso de realidade. Esse senso de realidade precisa ser anestesiado ou subvertido pela retórica, e para isso contam com um martelamento dos meios de comunicação de massa. Na internet, os que resistem são perseguidos.
A cultura e as artes baseavam-se em uma verdade socialmente compartilhada, algo de valor inegociável e absoluto, como a democracia, o amor e a justiça, referenciais e caminhos da evolução espiritual. Tudo isso se tornou relativo. A arte perdeu sua força e também sua relevância, passando a ser mero instrumento de lacração, uma defesa histérica do identitarismo. Não há nada errado com a defesa do respeito e da inclusão de LGBTQIAPN+, mulheres, negros e migrantes. O problema é que essas identidades marginais foram sequestradas pela pseudoesquerda, ou seja, pelo capitalismo de Estado. Também é verdade, por outro lado, que os conservadores, ao seguirem à risca um evangelho misógino e homofóbico, precisam rever seus posicionamentos. É hora de assumir que há preconceito religioso e que ele está no centro de toda essa confusão.
Chegou-se ao cúmulo de os “excluídos” apoiarem essa pseudoesquerda em sua defesa de ditaduras, governantes corruptos e grupos terroristas. O que importa é que a agenda WOKE prevaleça. Em nome dessa supremacia no debate público, gays, lésbicas, mulheres e negros se permitem ficar de fora do debate nas eleições municipais para fortalecer seus protetores de esquerda — todos querem o voto dos evangélicos. Os agentes de cultura seguem a mesma lógica. Na realidade, tudo é guiado pelo pragmatismo da classe média, que coloca sua autossobrevivência acima de tudo. Seguem bovinamente uma esquerda corrupta e sem escrúpulos. O identitarismo é um movimento tipicamente de classe média, feito para favorecer e beneficiar o gay de classe média, a mulher de classe média e o negro de classe média. Os gays pobres, as mulheres pobres e os negros pobres vão continuar se ferrando, simples assim.
O mesmo acontece com a cultura. Em troca de receber migalhas, os artistas aceitam ser esquecidos no debate político. No caso destes, trata-se de uma sobrevivência não ideológica, mas física. Estão lutando pela feira do final de semana. Por isso, as políticas de editais, shows, feiras, mostras e viradas sobressaem e ocupam, para a morte da própria cultura, o espaço da formação artística. Os editais são o “bolsa família” dos artistas. Aí, a esquerda corrupta se refestela, desviando o dinheiro público que poderia ser direcionado à formação artística — que é dispendiosa — e repassa o caraminguá para os pobres de Cristo.
Quando você vende o seu voto, passa a ser irrelevante para o político. Gays, lésbicas, negros e artistas vendem o seu voto sem saber. A culpa também é dos conservadores, que negam a necessidade de políticas identitárias e acham que a arte deve se submeter à lei do mercado, como no showbusiness americano, que é um fenômeno particular e questionável. Não se adequa a uma cultura rica e diversificada como a brasileira, em um contexto econômico desfavorável. Existe também um componente geracional nisso tudo. A militância cultural está enfraquecendo, a geração dos anos 80 envelhece e está cansada de lutar em vão, e as novas gerações já estão devidamente alienadas pelo capitalismo de Estado. É uma sinuca de bico.
Foto: PinterestPor: Paulo Dias - Colunista do Portal Pereira News