Os limites para a tal “Participação Popular” - Por Ednaldo Sacramento

Confira a coluna do professor no Portal Pereira News

EDNALDO SACRAMENTO

Passados pouco mais de 30 dias de uma nova gestão municipal de Alagoinhas, parece que seguem sendo alimentadas as esperanças de que teremos um bom governo. Pronunciamentos de membros da nova administração, inclusive do prefeito, contribuem para o fortalecimento das expectativas criadas. Foram várias as promessas, mas estamos no início de governo e ainda não se pode fazer cobranças quanto a realizações pontuais. No entanto, pode-se questionar os rumos apontados.

Uma das promessas de campanha foi que “Juntos, vamos construir uma nova história (…) uma Alagoinhas do futuro”, e, para isso, o caminho seria a participação popular. A campanha eleitoral sustentada no “FALAÊ Alagoinhas”, associada às falas no pós-eleição, tem o mérito de alimentar o debate sobre essa participação. Essa defesa não é exclusiva dos vencedores das eleições. Além de promessa, revela uma necessidade. Algumas experiências, dentre elas a do município de Alagoinhas quando governado pelo Partido dos Trabalhadores, trazem à nossa memória uma associação entre Orçamento Participativo (OP) e “Participação Popular”, de onde se podem extrair algumas reflexões.

É inegável que, ao se fazer comparações entre determinados governos, é possível afirmar que alguns nem ousaram reivindicar essa forma de governar, enquanto outras experiências induzem à conclusão de que ali teriam sido adotados elementos de participação popular. No entanto, devemos questionar “até onde vai essa participação” e, mais do que isso, se determinadas ações não vão no sentido contrário!

Pronunciamentos do atual prefeito e de dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), especialmente do superintendente de Participação Popular, Tárcio Mota, e de Luciano Sérgio, vice-prefeito, têm gerado questionamentos e dúvidas em relação ao modelo de participação que está sendo proposto, sobre seus limites e desafios. Para os que percebem as realizações humanas como resultado das relações sociais, pode-se concluir que os saldos vindouros da “Participação Popular” dependerão das disputas que se darão. Portanto, como disse o vice-prefeito, não é algo pronto e acabado. No entanto, isso também depende muito da disposição dos ocupantes do Executivo de compartilhar o poder de decisão e, desde já, expor com clareza quais são suas proposições, além da necessária autocrítica à experiência anterior, chamada de “orçamento participativo”.

É natural que, pela sua composição, o governo não busque homogeneidade. Daí a necessidade de proposições claras que, dependendo do conteúdo, podem criar ainda mais expectativas, mas também maiores responsabilidades. Afirmações genéricas que recuperam a experiência do OP e fazem associação a “um espaço de escuta para construção de um programa de governo (FALAÊ)” têm gerado muitas dúvidas.

É preciso ter clareza de que a iniciativa voltada para “ouvir” demandas com o objetivo de orientar a elaboração de um programa de governo, que inclusive foi parte da campanha eleitoral, está muito longe da construção de um espaço de participação popular. Primeiro, porque a participação efetiva só se verifica com poder deliberativo. Assim, não se trata apenas de “ouvir”, mas também de garantir que a população, organizada em conselhos, tenha poder de decisão. Segundo, porque o orçamento, para ser participativo, não pode se limitar à definição de prioridades de cada comunidade dentro de um orçamento já construído.

A experiência anterior do OP limitou a “participação” ao direito de indicar algumas prioridades, dentre as muitas demandas, dentro das rubricas de investimentos previamente definidos.

Para que não restem dúvidas em relação aos questionamentos aqui expostos, alguns exemplos podem ser citados sobre a amplitude das possibilidades de participação. Sabemos que há limites legais a serem observados nos gastos com pessoal, no entanto, podemos questionar: a população, que é a verdadeira dona dos recursos públicos, terá o poder de influenciar a forma como esses recursos serão empregados? Os “donos dos recursos” poderão ajudar a definir a remuneração do prefeito, do secretariado e dos demais cargos de confiança? Recorrer ao Conselho Municipal de Administração e Remuneração de Pessoal poderia contribuir para uma deliberação participativa mais efetiva. Assim, fica evidente desde já que os caminhos escolhidos não apontam para uma verdadeira “participação popular”.

Nesse mesmo contexto, enquadra-se a autorização para a contratação de empréstimos. A antecipação de receitas por meio de financiamentos, com seus respectivos encargos, compromete as disponibilidades futuras e limita o alcance da “participação”.

Os questionamentos já levantados poderiam, para alguns, sugerir “cobranças exageradas”, que seriam indevidas caso o foco estivesse apenas em realizações pontuais. No entanto, o mérito de iniciar essa experiência e agora fomentar o debate pode ser completamente perdido se o propósito não for levado adiante. Como costumo dizer: “o que não avança, retrocede”. Após oito anos de governo do PT em Alagoinhas, a chamada participação popular não fincou raízes e, nos 16 anos seguintes, experimentou retrocessos que podem ser atribuídos justamente aos limites dessa participação.

Não há que se falar em conflitos de atribuições entre diferentes estruturas quando se discute “participação popular”. Por exemplo, a Superintendência de Participação Popular e a Ouvidoria, a princípio, cumprem papéis distintos, mas complementares, sendo esta última essencial. É inquestionável que o poder de deliberação, que garante a participação, precisa estar municiado de informações. Dessa forma, participação, deliberação e transparência devem formar um tripé indissociável. Portanto, é imprescindível recorrer sistematicamente à Ouvidoria, que deve atuar como facilitadora do acesso à informação.

Por fim, percebe-se que algumas decisões do chefe do Executivo indicam um caminho oposto ao dos avanços esperados, contrariando promessas de campanha e diretrizes anunciadas. É inegável que direções de entidades ou de determinados segmentos, quando constituídas a partir da escolha direta de seus membros, possuem maior legitimidade e podem expressar a ideia de decisão coletiva. Assim como houve avanço com as eleições diretas para dirigentes escolares, foi extremamente positivo que a escolha do Comando da Guarda Civil Municipal (GCM) tenha sido realizada de forma direta ainda no governo Joaquim Neto. O aperfeiçoamento desse processo, no sentido da ampliação da participação, é uma necessidade. No entanto, o anúncio do prefeito reivindicando a prerrogativa de escolher o comando da Guarda a partir de uma lista tríplice vai na contramão desse avanço.

A participação popular tem sido apresentada como um desafio, especialmente diante da composição política do atual governo. Ora, se partirmos do entendimento de que a sociedade alagoinhense é mais ampla do que o governo, veremos que, independentemente da diversidade política, o verdadeiro desafio é assegurar, de forma crescente, espaços de deliberação coletiva que transcendam as atuais estruturas formais do governo. O difícil, de fato, é a disposição de compartilhar o poder!

Ednaldo Sacramento é operário, professor aposentado e dirigente político.

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